Sunday, January 11, 2004

As portas abrem-se depois de trinta anos

“From Los Angeles, California...The Doors”. Estão abertas as portas para uma noite de puro rock.
São 19h30. No espaço que circunda o Pavilhão Atlântico, apenas umas dezenas de pessoas esperam que as portas do recinto se abram, para poderem ver (ou rever) a mítica banda que fez furor nos anos 60/70. As portas do Pavilhão Atlântico abrem-se por volta das 20h. Finalmente, já dentro do recinto o entusiasmo cresce e a vontade de ouvir temas como “Roadhouse Blues” ou “Light my Fire” é cada vez mais intensa. Mas o tempo de espera ainda ia ser longo.
No recinto não estão mais de 50 pessoas. Há uma mistura de gerações, mas a maioria são jovens, inquietos para ouvir uma banda que julgavam perdida. No ar sente-se um ligeiro cheiro a erva, como nos anos do amor livre. Copos de cerveja passam de mão em mão. Estão unidos os ingredientes precisos para a “festa”. Ouvem-se frases soltas como “isto é um sonho”, “nunca pensei poder ver um concerto de The Doors ao vivo”, “será que vão tocar The End”. Ao mesmo tempo pairavam dúvidas e desconfiança. Após 30 anos longe dos palcos, o teclista Ray Manzarek e o guitarrista Robbie Krieger quiseram recuperar um dos mais importantes projectos da música dado como morto em 1972, depois da morte do vocalista e autor das letras dos Doors. Jim Morrison é uma figura mítica, “the american poet”. Será que The Doors, sem a sua voz, irreverência em palco, extravagância e psicadelismo têm futuro? A reposta vem mais à frente.
As luzes apagam-se. Por volta das dez da noite o Pavilhão está preenchido por milhares de pessoas. A primeira figura a entrar em palco é Jim Morrison. Ao som dos acordes de “Carmina Burana” a sua imagem é transmitida numa tela ao fundo do palco. A plateia sente um arrepio na espinha, um misto de alegria e tristeza, uma sensação estranha, como se o espírtito de Jim Morrison encarnasse em cada um dos presentes. Alguém da plateia ergue uma imagem de corpo inteiro de Jim Morrison.
“Ladies and gentlemen, from Los Angeles, California, The Doors”. A partir daqui a imagem de Jim Morrison passou para a dimensão sonora, prolongada por duas horas bem ritmadas. “Roadhouse Blues” vem abrir o alinhamento da noite. As dúvidas do público dissipam-se. Há uma entrega total ao som da guitarra de Krieger. Manzarek domina as teclas como se ainda tivesse vinte anos. Ian Astbury, dos Cult, entra deixando todos de “boca aberta”. As parecenças com Jim Morrison impressionam, e incomodam. O timbre de voz, o cabelo encaracolado, a silhueta, os gestos, as danças em palco. Tudo relembra Morrison. Ian está à vontade no papel e no reportório que canta dando-lhe toques pessoais, mas sem corromper o espírito das canções, que para uns representam liberdade, para outros rebeldia, símbolos do tempo em que foram escritas.
Para além de êxitos como “Break on Through”, “Alabama Song” ou “Riders on the Storm”, soaram os temas do álbum “LA Woman”. Álbum que já não conseguiram apresentar na década de 70, devido à morte de Jim. Houve ainda uma versão especial de “Spanish Caravan”, tema que foi introduzido com uma guitarra clássica. Um pequeno senão interrompeu os acordes da guitarra clássica, uma corda partiu-se. Mas Krieger, já com outra guitarra, continuou invencível. Pelo meio surgiram temas mais acústicos, como “People are Strange” e “The Cristal Ship”, temas que Ian Astbury canta sentado num banco, tal como num “MTV Unplugged”.
O público está entusiasmado e não se mostra desiludido. Berra em coro as letras das canções e responde a todos os apelos de Ian. Da plateia ouve-se “Go Ian!”. Este cenário é acompanhado por projecções de imagens psicadélicas e caleidoscópicas que “flutuam” no ecrã atrás do palco. Por todo o lado vêm-se câmaras digitais ou telefones com máquina fotográfica integrada no ar, a tentar captar as melhores imagens e os melhores momemtos da noite.
Apesar de serem acusados por John Densmore, ex-baterista da banda, de estarem a aproveitar-se das letras de Jim para arrecadarem os lucros desta nova tournée, Manzarek e Krieger estão visivelmente contentes por tocarem novamente as músicas que criaram há trinta anos. E fazem-no com a energia e qualidade dos anos 60.
A banda sai do palco.
Na plateia e nas bancadas grita-se, aplaude-se, implora-se mais uma vinda ao palco. As palmas soam ritmadas, ao mesmo tempo que ecoam as palavras: “Portugal, Portugal, Portugal!” e “Doors, Doors”. O pedido é satisfeito. The Doors sobem novamente ao palco, e o público mantem a mesma energia que tinha quando entrou no recinto, há cerca de duas horas atrás. Ouvem-se as teclas de Manzarek. O pavilhão entra em apoteose. Chega o tema mais aguardado da noite, “Light my Fire”. E o público incendiou-se.
Todos estão satisfeitos. A maioria pensava que não seria possível assistirem a um concerto de The Doors. Viviam das imagens do passado, ao mesmo tempo que ouviam os acordes dos temas nas aperelhagens de suas casas. Esta noite veio quebrar esse mito. Ian Astbury não é um simples substituto da voz de Jim Morrison. Por ele pode passar o eventual futuro dos Doors em cima de palcos. A aprovação do público pareceu ser total. Por isso, aguardamos o seu regresso a Portugal. E se não for pedir de mais, em dose dupla, como aconteceu nos dias seis e sete de Dezembro.

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