Monday, February 02, 2009

Bem visto...

Publicado no Blog http://ondas.weblog.com.pt/:
O Surf é uma conjugação de prazeres. Desde o prazer excitante da antecipação do Surf, até ao prazer exausto do pós-Surf, passando por todos os milhentos, irresistíveis e viciantes, prazeres do durante o Surf, tudo nesse acto sublime de correr ondas é prazer.
Mas, para um epicurista como eu, nem só do acto se fazem os prazeres do Surf. Muito está também no antes e principalmente no depois. Desde muito cedo que associei o prazer das ondas aos prazeres mais prosaicos da comezaina. Já nos primórdios da minha relação com o mar uma surfada não ficava completa sem uma ida à roulotte das farturas que estacionava ali em frente ao pontão entre o CDS e o Bento, para de dedos enregelados fincar os dentes nessa deliciosa mistura de fritura e açúcar. Ou então na espera do autocarro da Rodoviária Nacional na Praia Grande umas dentadas carnudas em dois pães com chouriço acabados de sair do forno de lenha, enrolados em papel pardo, da barraquinha ali da rampa.
Se com os anos, os prazeres se tornaram talvez mais elaborados, envolvendo algumas variedades de mariscos, bifes sumarentos e estupidamente mal passados, pratos de caça ou peixes quase a saltarem no prato de frescos e outros petiscos mais ou menos raros a verdade é que algumas memorias de Surf ficaram indissociavelmente ligadas aos repastos que fazíamos a seguir.
Durante anos a fio, aqui nos Açores, no pico das tempestades de Inverno, todas as surfadas de Domingo eram sempre seguidas de uma ida à Cervejaria Cascata para mergulhar na mais rica e saborosa Sopa de Carne que alguma vez algum mortal saboreou. Não há céu maior do que um corpo cansado, dorido, frio, a ser aquecido por umas colheradas de caldo com maravilhosos cubinhos de batata e cenoura, maravilhosas couves, maravilhosas massinhas e ao lado um prato com um naco da chambão com tutano e meio chouriço ainda a fumegarem com os vapores da panela. Este ritual de Domingo durou até a União Europeia e os zelotas da ASAE fecharem a cozinha da Cascata e darem cabo dos domingos deste vosso pobre escriba.
Também vos digo que para mim e por melhores que estejam as ondas desde os Coxos à Foz do Lizandro uma surfada na Ericeira não fica completa sem um passeio na vila e uma peregrinação demorada ao Ribas para a obrigatória degustação de percebes, amêijoas à bulhão pato, mexilhões à espanhola e umas quantas, não digo quantas, imperiais fresquinhas. Um drop atrasado em dropknee com um tubo profundo na Crazy Left não fica perfeito sem umas devidas chupadelas no percebe fresquinho. E nem vos falo dos salmonetes grelhados de Sesimbra, ou nas lambujinhas do Sr. Domingos no Meco depois de duas horas a dropar uns 2/3 metrões nas Bicas, naqueles dias em que saímos da água com os pés tão gelados que a areia parece agulhas na planta do pé.
Como ensina o MEC, em quem esta crónica é inspirada, em Portugal não se come mal e a verdade é que de Viana ao Algarve, arquipélagos incluídos, este País tem quilómetros e quilómetros de costa e de ondas extraordinárias todas elas certamente com fabulosos poisos de comida nas proximidades. Desde a mais simples banca de rua, ao mais finório dos Tavares Rico, passando por todas as tascas e casas-de-pasto que o colesterol possa aguentar.
Talvez não fosse má ideia criar um novo tipo de surfista, depois dos vegetarianos e dos yoguistas, criamos os surfitas-epicuristas totalmente dedicados aos sublimes prazeres das ondas e do paladar…
São abundantes e frequentes as comparações entre o Surf e o Sexo e não deixa de ser curioso que de todos os surfistas que são fumadores que conheço e absurdamente não são poucos todos eles acendem um cigarro depois de surfar e depois de comer, depois do sexo não sei porque não estava lá…

Pedro Arruda, 80 kg e ainda a surfar

publicado na FREESurf

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